Rafaela entre seus alunos Renato Patrício e Gabriel Silva (Arquivo Pessoal)

PAN Cadete e Júnior: Rafaela da Luz e a superioridade técnica sobre a desconfiança alheia

O Pan-americano Cadete e Júnior vai contar com 32 atletas e oito treinadores nacionais com anos dedicados ao wrestling. Uma delas é Rafaela da Luz, eleita treinadora destaque da Seletiva Nacional Cadete e Júnior 2021, técnica do SESI e há dez anos dedicada a formação de lutadores no clube paulista. Um caminho construído diferente dos técnicos de esporte de combate, capaz de  derrubar julgamentos por aqueles que torcem o nariz para uma mulher, que não é ex-atleta e nunca praticou um esporte de combate, mas conquistou com trabalho, estudo e dedicação seu lugar no wrestling nacional.

“Enxergo o prêmio na Seletiva e a convocação para o Pan como um reconhecimento pelo trabalho realizado não só neste torneio, mas pelos anos de dedicação ao wrestling. Sinto um pré-julgamento por ser mulher, não ter sido atleta e nem ter praticado qualquer tipo de esporte. Por outro lado, sempre recebi força de pessoas como Aline Silva, que faz questão de dizer que é fã do trabalho que realizo. Isso me inspira a continuar a trabalhar, com amor, atenção e respeito ao processo”, explica Rafaela. Mas então como começou a relação da treinadora com a modalidade?

Rafaela cursava Educação Física quando viu o momento de trocar o trabalho pelo estágio, obrigatório na conclusão da graduação. A estudante passou a estagiar no SESI e escolheu ficar locada na Luta Olímpica, esporte comandado pelo técnico cubano Alejo Morales e que reunia parte da seleção nacional. A conclusão na faculdade chegou no momento em que um processo interno foi aberto: uma vaga de professora no Programa Atleta do Futuro (PAF).

“Em 2010 comecei a estagiar com o técnico Alejo Morales, ali aprendi a planificar um treinamento, entender o que é um macrociclo e no final daquele ano terminei a faculdade de Educação Física. Fiz o processo seletivo para professor do PAF e sinceramente não acreditava que passaria, mas entrei. Nos primeiros anos recebi muita ajuda dos atletas Gil Leon, a própria Aline Silva, e outros da equipe e em 2013 iniciei a primeira turma”, lembra a técnica.

Em 2014, Rafaella engravidou de Maria Eduarda, o wrestling ficou em segundo plano para que a treinadora se dedicasse exclusivamente à maternidade. A interrupção no processo de aprendizagem da modalidade, inclusive com a não participação de um curso oferecido pela Academia Brasileira de Treinadores do Comitê Olímpico do Brasil, poderia ter feito Rafaela desistir do esporte. Mas a certeza de retornar e a reflexão gerada pelo tempo ausente fizeram a treinadora voltar com mais vontade e definir cinco conceitos que a guiariam na vida e no trabalho.

“Nunca pensei em deixar a Luta, no tempo fora refleti e pensei o porquê de trabalhar com wrestling e coloquei cinco pilares que guiam minha vida e trabalho. O primeiro é o Comprometimento, a base do crescimento mútuo; o segundo é a Honestidade, permite confiar em si mesmo e reconhecer onde quer chegar. O terceiro é a Disciplina, sem evolução você fica para trás. O quarto é a Contribuição, a ação de ajudar o próximo é muito forte e existe esse crescimento. Procuro treinar e ouvir a opinião dos atletas, sem autoritarismo. É uma relação de troca. E o quinto é o Desafio que gera independência e confiança, quando você se desafia, sai da sua zona de conforto”, explica Rafaela.

O breve hiato não freou o crescimento de Rafaela, o trabalho seguiu com jovens e os resultados não tardaram a aparecer. Dos talentos que ajudou a formar, Renato Patrício é o principal expoente. Campeão nacional nas categorias de base Cadete, Júnior e este ano sênior, o lutador representou o Brasil em todas as seleções nacionais e foi campeão sul-americano em 2019. No Pan Cadete e Júnior, Gabriel Silva é outro pupilo de Rafaela que vai vestir a malha verde e amarela. O sucesso deles também é combustível para a treinadora se aprimorar também fora dos tapetes.

“É gratificante e dá orgulho ver atletas como Renato, campeão sul-americano ou o Gabriel. Sempre procuro entender o que faz algum atleta parar de evoluir dentro de seu processo. Em 2019, iniciei e concluí um treinamento de Coach que está ajudando muito no trabalho com os atletas. É mais uma ferramenta para auxiliar no desenvolvimento como pessoa dentro e fora dos tapetes” revela Rafaela.

Dez anos de sua primeira turma e convocada pela primeira vez  para representar a equipe nacional, Rafaela afirma estar lisonjeada e ciente da responsabilidade e importância de estar no córner brasileiro. Embora não tenha lutado é possível dizer que Rafaela venceu por 10 a 0 (superioridade técnica) os olhares desconfiados sobre seu trabalho. Ela ainda espera ir além e inspirar admiradores da modalidade a vencer os desafios que os distanciam do esporte.

“Espero inspirar pessoas que não são ex-atletas ou nunca trabalharam com esporte, mas que amam a modalidade e sonham em trabalhar com o wreslting, a se envolverem, estudarem e se dedicarem. Só tenho a agradecer à nova gestão da CBW por ser convocada e poder representar o país no torneio. Procuro trabalhar sempre com foco no processo e não no resultado. O trabalho é diário para desempenhar e ter a melhor performance para conquistar o objetivo que é a vaga para os Jogos Pan-americanos”, encerra a treinadora da equipe nacional Cadete e Júnior.

O wrestling brasileiro disputa o Pan-americano Cadete e Júnior 2021 de 9a 13 de junho, em Oaextepec, no México.